Não se trata mais (nunca se tratou) de alarmismo ou de ativismo barato. As consequências das mudanças climáticas e seu eventos extremos já se fazem sentir no dia a dia do brasileiro -no mínimo, em solidariedade ao povo gaúcho. Os alertas já vinham sendo divulgados há pelo menos 20 anos e, recentemente, os avisos e as semanas de calor extremo tomaram conta do noticiário. Secas prolongadas e inusitadas, como na Amazônia, para espanto geral, também viraram manchete. Nos últimos três anos, vimos inundações em São Sebastião (litoral de São Paulo), na Bahia e, agora, no Rio Grande do Sul.
Segundo o site do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade -uma rede global de mais de 2.500 governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável, em mais de 130 países-,
“as mudanças no regime das chuvas, intensificação das secas, escassez de água, tempestades, inundações, alterações de ecossistemas, redução da biodiversidade e perda de áreas férteis são alguns dos eventos causados pelas alterações climáticas”.
A enchente e a inundação recorde, histórica, no Rio Grande do Sul, alertaram a população, de forma trágica, para os problemas que podemos e vamos enfrentar, se não agirmos. Não é a questão de brigar contra a natureza. Ao contrário, é tê-la como aliada em projetos de prevenção e solução. Assim são as chamadas Soluções baseadas na Natureza (SbN), como alternativa para o planejamento urbano.
O termo foi criado no início dos anos 2 mil pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), e se constitui de técnicas de aplicação de soluções urbanas que seguem o tecido natural das cidades e inclui abordagens para a restauração e conservação de ecossistemas, por exemplo, além de serviços de adaptação climática, infraestrutura natural e gerenciamento de recursos naturais. São iniciativas que focam em dar respostas a desafios urbanos inspiradas e apoiadas pela natureza e usam, ou simulam, processos naturais -segundo o Plano Local de Ação Climática de Belo Horizonte (PLAC-BH).
O Projeto Preserva visitou uma das ações implementas e conversou com o secretário executivo do ICLEI para a América do Sul, Rodrigo Perpétuo.
(Projeto Preserva) Que exemplos o ICLEI tem de projetos de solução baseada na natureza?
(Rodrigo Perpétuo) Nós estamos aqui, na cidade de Belo Horizonte, no Parque Lagoa do Nado, onde, por meio de um projeto de cooperação internacional financiado pelo governo alemão, chamado INTERACT-Bio, implementado pelo ICLEI, nós construímos, em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, um jardim de chuva. Esse jardim, de fato, cumpre um serviço consistente com uma solução baseada na natureza, de evitar o transbordamento e a inundação. Então a água que cai a partir de uma chuva abundante é retida por esse jardim e cai nesse lago maravilhoso que nós estamos vendo aqui.
“Essa é uma ação demonstrativa. O principal legado desse projeto é a introdução do conceito de soluções baseadas na natureza para as secretarias de Planejamento Urbano, as secretarias de Obras, todo o sistema de planejamento urbano das cidades da região Metropolitana de Belo Horizonte, das regiões metropolitanas onde o projeto incidiu. Ao todo, foram 15 regiões metropolitanas no mundo todo” (Rodrigo Perpétuo).
No Brasil, além da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas, a Região Metropolitana de Londrina, no estado do Paraná, a Região Metropolitana de Campinas, no estado de São Paulo, receberam o projeto. E também nós temos essa iniciativa na nossa subsidiária na Colômbia, onde nós pegamos três regiões metropolitanas: a região de Bucaramanga, a Região Metropolitana do Vale do Aburrá, que é a região metropolitana de Medellín. E, a partir daí, a gente dialoga também com as três regiões metropolitanas na África e na Índia, que estão contempladas pelo projeto.
A participação do ICLEI
(RP) O ICLEI cumpre algumas funções complementares em diversas instâncias e momentos desse tipo de projeto. Primeiro, fazendo todo o desenho e a captação do recurso junto ao financiador internacional, para que o projeto possa ser executado. Nesse caso, do INTERACT-Bio, pelo Ministério Federal Alemão do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU), por meio da Iniciativa Internacional para Proteção do Clima (IKI). E esse fundo financia projetos de ação climática no mundo todo. A partir daí, organiza todo o processo de implementação. O ICLEI trabalha com parceiros internacionais, parceiros nacionais, como, aqui no Brasil, o Ministério do Meio Ambiente e outras instâncias do Governo Federal.
A escolha das cidades
(RP) Existe um processo seletivo conduzido pelo ICLEI, em que as cidades fazem as suas propostas, além da implementação propriamente dita em todos os componentes do projeto. Então, no caso do jardim de chuva aqui, de Belo Horizonte, por exemplo, a gente teve um processo seletivo para a empresa que iria construir esse jardim de chuva, que foi vencido por uma startup de arquitetura e urbanismo mineira, que fez essa implementação.
“Então, existe uma série de estímulos, estímulo ao governo subnacional, estimulo às empresas privadas que têm um componente de inovação e de novas tecnologias -nesse caso, a aplicação de soluções baseadas na natureza nas cidades- e, por trás disso, todo um processo de produção e disseminação de conhecimento, que é o grande legado desse tipo de projeto” (Rodrigo Perpétuo).
O projeto na Lagoa do Nado
(RP) De fato, é uma intervenção pedagógica. Aqui o visitante ou o estudante universitário que têm interesse em conhecer esse tipo de solução vão encontrar toda a explicação de como foi feito e qual a função que cada planta que está ali cumpre e o funcionamento integral do jardim, que é um jardim de chuva, que serve para conter as águas de chuvas intensas.
A Prefeitura de Belo Horizonte, por exemplo, já aplica esse tipo de solução em larga escala. Existem corredores, como a Avenida do Vilarinho, que é uma região que inunda constantemente aqui, em Belo Horizonte, que recebeu mais de 100 jardins de chuva ao largo da avenida. Então esse tipo de intervenção demonstrativa tem essa tarefa de inspirar o planejador urbano e os técnicos que desenham a cidade e as soluções para a cidade, para que essa prática possa ser diversificada, implementada na escala da cidade.
“Ela, per si, não resolve o problema da contenção dos alagamentos e das inundações. Mas, combinada à infraestrutura de drenagem e macrodrenagem bem feitas, pode obviamente reduzir muito os impactos das chuvas intensas e as consequentes inundações e alagamentos que elas costumam causar em algumas regiões da cidade” (Rodrigo Perpétuo).
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