Silenciosas e, às vezes, imperceptíveis ao olhar mais distraído, as cavernas naturais escondidas na paisagem são ambientes delicados. Servem de abrigo a espécies raras e guardam rastros do passado. Essas cápsulas do tempo cheias de informação são tão importantes para a história que há duas áreas da ciência dedicadas a elas: a espeleologia, que estuda a formação das cavidades e a arqueologia, que pesquisa os vestígios das antigas culturas.
Em todo Brasil existem cerca de 22.600 cavernas descobertas e 47% delas estão em Minas Gerais, segundo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav). Só no estado, são 10.570 cavernas e mais de 2 mil sítios arqueológicos. Milhares dessas cavidades ainda não foram plenamente pesquisadas e muitas descobertas estão por vir. Por isso elas são protegidas por lei.
Em 1990 um decreto federal estabeleceu a proteção às cavernas e em 2008 foram definidos níveis de relevância para as cavidades, como máxima, alta, média ou baixa. Uma caverna no caminho da mineração se tornou, então, sinal de problema: um corpo de pedra que fazia frente ao avanço da exploração e exigia etapas extras no processo de licenciamento. Não foi por acaso que, em 2022, um novo decreto do
governo Bolsonaro flexibilizou as regras para intervenção nas cavernas facilitando as atividades de mineração. No mesmo ano, o STF suspendeu trechos do decreto e em 2024 a flexibilização foi derrubada de vez.
O que vale hoje? Pela lei, as cavernas com grau máximo de relevância não podem ser impactadas por empreendimentos, incluindo a mineração. Para os outros graus de relevância, é preciso licenciamento ambiental. Na tentativa de evitar custos e demora no processo de liberação, há empresas que omitem a existência de cavidades no terreno e, nesses casos, o destino delas é a destruição.
Foi o que aconteceu a menos de dez dias, quando uma cavidade foi soterrada na comunidade Botafogo, em Ouro Preto, durante a madrugada. A informação sobre a gruta não estava nos laudos enviados pela empresa aos órgãos do estado e ela conseguiu a aprovação das atividades pela Feam, a Fundação Estadual do Meio Ambiente. Na semana passada, a justiça suspendeu as atividades da “Patrimônio Mineração.” Apesar disso, a decisão não significa a suspensão definitiva da licença.
Em muitos casos, a destruição do patrimônio histórico e natural não é efeito colateral, mas estratégia para eliminar as barreiras do processo. Ao soterrar cavernas, descaracterizar sítios arqueológicos ou alterar cursos d’água, empresas reduzem os entraves legais e enfraquecem a capacidade das comunidades de reivindicar proteção. E as comunidades são a voz dos corpos naturais.
A prática predatória dessas empresas não destrói apenas a natureza, as identidades e a história do Brasil. Como um bumerangue, esse tipo de mineração implode a si mesma desgastando a imagem de todo o setor. Se essa atividade deseja continuar existindo num mundo que caminha para modelos econômicos socialmente responsáveis e garantindo a existência de recursos, precisará abandonar a velha roupagem.