A corrida mundial pela restauração dos biomas

Proteger o que ainda não foi destruído não é mais suficiente
Mata Atlântica recuperada na região de Aimorés (MG), pelo Instituto Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado - Foto: Projeto Preserva

Restaurar o que foi degradado: essa é uma das saídas para evitar o que a ONU chama de tripla crise planetária: as mudanças climáticas, a crise da biodiversidade e a crise dos resíduos.

Só no Brasil, estamos falando da meta de recuperar 12 milhões de hectares de florestas, mas o chamado para salvar os biomas é mundial e já existe desde 2021.

Não foi por acaso que a “Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas” foi criada. O objetivo é prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos até 2030. Segundo a ONU, a restauração pode combater as mudanças climáticas e prevenir uma extinção em massa. O Brasil é um dos mais de 70 países que aderiram à proposta de ação.

As soluções precisam ser coordenadas entre países, empresas e organizações mundiais. Localmente, gestores públicos e privados precisam se responsabilizar.

A restauração da cobertura vegetal nas cidades

No ano passado, recordes de temperatura foram quebrados em todo mundo. Os efeitos foram além do calor: vimos tempestades, inundações e secas. Localmente, sentimos os impactos de um problema global. O que as cidades precisam fazer para amenizar os efeitos climáticos mundiais?

Essa foi a pergunta que norteou a conversa do Projeto Preserva com Carla Wstane, doutora em Geografia: espaço, cultura e linguagens. Ela trabalha com participação social em torno da gestão das águas e atualmente é diretora técnica do Instituto Guaicuy.

Carla Wstane, diretora técnica do Instituto Guaicuy – Foto: redes sociais

(Projeto Preserva) Diante de um problema climático global, como as cidades podem ser mais resilientes?

(Carla Wstane) O modelo de cidades que estamos construindo se baseia na predominância de solos impermeabilizados, tanto para o transporte rodoviário como para o adensamento urbano, com uma infinidade de edificações com total cobertura de solo, sempre visando uma hiper-higienização dos centros urbanos, em detrimento de uma tecnologia milenar que é o plantio de árvores.

Por sua vez, o plantio de árvores e a promoção de espaços verdes, sejam jardins ornamentais, filtrantes, hortas urbanas ou quintais produtivos, são iniciativas fundamentais para a resiliência das cidades. Esses espaços permitem que diversas etapas do ciclo da água cumpram uma função natural de segurar a água onde ela cai, neste caso, com ajuda dos momentos de interceptação e de infiltração.

Coletivo Bora Plantar organiza ações de restauração florestal em parques de Belo Horizonte (MG) – Foto: Projeto Preserva

No ciclo hidrológico, o momento da interceptação das águas da chuva pelas copas das árvores faz com que a água demore um pouco mais para abastecer as raízes, retardando a infiltração e assim o melhor aproveitamento da água pela própria vegetação, permitindo tempo maior de absorção da água antes da evapotranspiração.

A água fica retida por mais tempo naquele sistema devido à existência de raízes e matéria orgânica, como as folhas, que caem e abastecem o solo.

“Assim, a água enche nascentes, alimenta ecossistemas naturais, ao invés de descerem pelas ruas impermeabilizadas dos centros urbanos, diretamente para os rios canalizados, carreando poluição difusa, provocando grandes enchentes, doenças, perdas humanas e materiais.”

(PP) Existe uma relação entre as fortes ondas de calor e as poucas árvores dos centros urbanos?

(CW) O Planeta está sofrendo uma onda muito forte de fenômenos climáticos extremos, já previsto pelos modelos climáticos desde a década 1970, justamente pelo modelo de sociedade escolhido. O desmatamento para a produção em grande escala de alimentos é um dos agravantes e afeta a dinâmica climática global.

Mesmo que Belo Horizonte, por exemplo, fizesse todas as estruturas de drenagem, toda arborização, ainda ia sentir os impactos das mudanças climáticas, porque é uma pactuação global. Por isso que é importante tornar cidades mais resilientes e mais verdes: precisamos diminuir a temperatura local, ter formas produtivas urbanas (como a agricultura urbana e a agrofloresta).

“A pouca cobertura vegetal nas cidades só agrava a sensação de calor, pois espaços com microflorestas servem também para regulação térmica, são microclimas naturalmente de temperatura menores, mais aprazíveis para as pessoas, um caminho para cidades resilientes.”

(PP) De que forma a cobertura vegetal ajuda no abastecimento de água?

(CW) A cobertura vegetal nas cidades é fundamental para a busca de harmonia entre os espaços naturais e construídos dos grandes centros. Na relação com os rios urbanos, as árvores devem compor as matas ciliares, exigindo que as margens não estejam impermeabilizadas, tampadas com concreto. A mata ciliar protege o curso do rio, assim como fornece alimento e diminui o assoreamento, retendo a poluição difusa presente nas grandes cidades.

“Quando os rios são canalizados e suas margens desprotegidas, formam-se canhões d’água nas grandes chuvas, a água desce em velocidade alta, não dando condições adequadas para a infiltração e a permanência das chuvas no solo, provocando grandes enchentes.”

Rios com margens preservadas, águas limpas, aumento de áreas verdes são pontos que devem ser mobilizados na construção de um pacto de quais modelos de cidades queremos.

Os rios, com suas matas ciliares preservadas, não servem só para uma intervenção de drenagem. Ele não precisa servir só para domesticar as águas pluviais e fluviais, mas também para criar um espaço aprazível para as pessoas.

“Temos diversos exemplos aqui na capital (BH). Um deles é no baixo Onça, onde as pessoas olham para o rio não tampado, e promovem espaços de lazer comunitários, agroflorestas, campinhos, parquinhos, devolvendo ao rio o espaço do rio, convivendo com suas margens e o que elas oferecem.”

Em tempo: a diferença entre restaurar e reflorestar

 Numa reportagem que fizemos no Instituto Terra, em Aimorés, MG, o consultor técnico Pieter-Jan Van Der Veld nos explicou que reflorestar é apenas replantar uma floresta num ambiente desmatado. Não há a preocupação com a composição das espécies para aquele ecossistema.

Pieter-Jan Van Der Veld, assessor técnico do Instituto Terra – Foto: Projeto Preserva

Restaurar é mais complexo porque se trata de recompor a biodiversidade daquela região. É reconstruir um bioma original usados as espécies nativas daquele lugar. A restauração traz de volta os animais que viviam na região recuperando o ecossistema que existia ali.

Veja o vídeo onde ele deu essa entrevista para o Projeto Preserva aqui.

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