Começamos hoje, nesta coluna publicada simultaneamente no site Diário do Comércio, o cultivo gradual de um espaço para falar sobre meio ambiente. Ou poderíamos dizer que vamos falar sobre nós mesmos, sobre você que nos lê. Se, ao longo do tempo construímos a ideia de que nós, “humanidade”, somos uma categoria diferente da “natureza”, o primeiro convite é para uma reconexão.
Somos parte de toda a biodiversidade e, por consequência, parte interessada em encontrar soluções que envolvem decisões globais, locais, empresariais e individuais. Nossa proposta maior aqui é ir em busca das saídas, então.
Estreamos no Dia Mundial de Combate à Desertificação, 17 de junho e, não por acaso, a desertificação também foi o tema do Dia Mundial do Meio Ambiente, no último 5 de junho. Ainda estamos imersos nas notícias sobre as consequências das enchentes no Rio Grande do Sul, mas é urgente olhar para a ameaça silenciosa da desertificação.
Quando pensamos que esse é um problema muito distante de nós, precisamos lembrar que a produção agrícola e a segurança hídrica do Brasil dependem da terra. A desertificação é a degradação do solo acelerada pelo manejo errado, pelo aquecimento global e pelo desmatamento, que já comprometem 40% das terras de todo o planeta, como informa a ONU.
Por isso existe uma coalizão global que mobiliza capital político, técnico e financeiro para preparar o mundo para secas mais severas e o Brasil aderiu a esse grupo na última semana. O país integra, desde 10 de junho, a Aliança Internacional para a Resiliência à Seca (IDRA, na sigla em inglês).
“A ciência e a prática mostram constantemente que preparar as sociedades e as economias para as secas antes que elas ocorram evita o sofrimento humano – e é muito mais econômico do que as respostas de emergência”, disse o secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, Ibrahim Thiaw.
E há muito trabalho a fazer: no Brasil, 1,4 milhão de quilômetros quadrados de terras em 13 estados, estão vulneráveis à desertificação, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Mesmo assim, o desmatamento avança no país: nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu vegetação nativa em quantidade que corresponde a duas vezes a área do estado do Rio de Janeiro. Os números são do Relatório Anual de Desmatamento, RAD, do MapBiomas.
Como combater a desertificação?
Uma das soluções contra a desertificação é restaurar o que foi degradado. Só no Brasil, estamos falando da meta de recuperar 12 milhões de hectares de florestas, mas o chamado para salvar os biomas é mundial e já existe desde 2021. É a “Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas”. O objetivo é prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos até 2030.
Segundo a ONU, a restauração pode combater as mudanças climáticas e prevenir uma extinção em massa. As soluções precisam ser coordenadas entre países, empresas e organizações mundiais. Localmente, gestores públicos e privados precisam se responsabilizar.
Aqui, é importante a atenção com essas palavras: restaurar não é o mesmo que reflorestar. Reflorestar é apenas replantar uma floresta num ambiente desmatado. Não há a preocupação com a composição das espécies para aquele ecossistema. Reflorestamento é “esverdeamento” de um lugar e não necessariamente recupera o solo de uma região.
Restaurar é recompor a biodiversidade daquela região. É reconstruir um bioma original usando as espécies nativas do lugar. A restauração traz de volta os animais que viviam na região recuperando o ecossistema que existia ali. É hora de acelerar essas iniciativas. E podemos nos perguntar: em nossa cidade ou região, quais são os projetos de restauração ambiental?
Em recente conversa com a doutora em Geografia, Carla Wstane, diretora técnica do Instituto Guaicuy, abordamos de que forma uma cidade pode implementar o conceito de restauração ambiental. Repensar o modelo de construção baseado na impermeabilização do solo é o primeiro passo, ela nos disse.
“Rios com margens preservadas, águas limpas, aumento de áreas verdes são pontos que devem ser mobilizados na construção de um modelo de cidade que queremos”, afirmou Carla.
Em Belo Horizonte, já existem exemplos que indicam o caminho certo.
Quinzenalmente, vamos trazer aqui os desafios, mas também as soluções já implementadas localmente ou globalmente. Ao ver tantos números preocupantes de degradação no planeta, ondas de calor, enchentes, desertificação, podemos ser tomados por um sentimento de impotência. Mostrar o que está sendo feito e o que pode dar certo em outra cidade ou região, também é a forma como este espaço poderá, a partir de agora, semear um pouco de esperança.