Não havia nuvens. Passava pouco de uma da tarde. Mas o céu escurecia. Começou a chover. Cinzas e fuligem. Estávamos na altura de Antônio Dias, no Vale do Aço, a caminho de Resplendor, n’outro vale, o do Rio Doce.
Pela janela, víamos a mata em chamas. Enquanto eu dirigia, Juliana captava imagens pelo celular. Cordões de labaredas, emoldurando montanhas encobertas por muita fumaça. Um quadro triste de natureza morta, comum no Brasil das últimas semanas.
Não vimos uma grande movimentação de combate ao fogo. Recentemente, estivemos nas serras do Cipó e do Brigadeiro, que, juntas a tantas outras, como a do Caraça, da Moeda, arderam em incêndios criminosos. A atuação que testemunhamos de brigadistas voluntários, bombeiros, servidores do IEF foi essencial para evitar tragédias ainda maiores.
O cenário perdurou até as proximidades de Ipatinga. Passando por Governador Valadares, muita área queimada à beira do caminho. A partir da BR-259, menos adensada, o cenário era menos desolador, apesar do calor de mais de 34 graus. Quente, mas menos que os 36,2°C registrados em BH, na última quinta-feira, na oitava (!) onda de calor do ano. Em 2023 foram três. Evidência que derrete qualquer negacionismo.
O motivo de nossa ida a Resplendor era o aniversário do imortal Ailton Krenak. Fomos recebidos numa pequena ilha do rio Doce com um delicioso piquenique e uma ainda mais saborosa conversa com o autor de “Ideias para adiar o fim do mundo”.
Krenak ficou impressionado com o cenário que descrevemos. Seu espanto somava-se aos relatos do fotógrafo japonês Hiromi Nagakura sobre a ilha da Micronésia que havia visitado recentemente, que estava desaparecendo, encoberta pela elevação do oceano. Água e fogo. Extremos como os eventos que vivenciamos cada vez mais frequente e intensamente.
Ele comentou sobre a banalização desses eventos:
“É a naturalização do desastre, então é como se a nossa geração, toda essa geração a partir dos 40 anos, tivesse considerado que o mundo é assim mesmo, ruim. Eu não concordo com isso”.
Krenak acredita em janelas pra outros mundos possíveis. “Não o distópico, não o mundo estragado, mas a possibilidade do mundo onde essas crianças, que estão brincando e correndo aqui, se sintam animadas a pensar o mundo. Então a gente tem que provocar nelas o desejo de outros mundos que não seja a reprodução desse mundo gasto, babado”.
Saímos com uma espécie de conselho, para quando formos questionados sobre o que falamos e acreditamos: “O que vocês vão dizer vai ser ’nós estamos tentando achar um furo na paisagem por onde a gente possa fazer como Alice no País das Maravilhas’. O que a Alice fez? Ela entrou naquele túnel e foi encontrar outras histórias”.
Viemos embora no dia seguinte. No caminho, a paisagem de Antônio Dias, sem chamas, mas sem verde. Que encontremos novas histórias escritas por bilhões de mãos para um futuro possível. E novas ideias para adiarmos para sempre o fim do mundo.