Durante quatro anos, as lentes do fotógrafo Mateus Lustosa procuraram imagens entre as frestas dos andaimes espalhados na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto. A missão de documentar todo processo de restauração artística não foi uma novidade apenas na carreira dele: foi uma inovação na área da conservação. Normalmente, são os próprios restauradores que registram o trabalho para compor os relatórios técnicos enviados ao Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
“A Matriz exigiu um trabalho muito longo, com muitos profissionais e as fotos atestam como a restauração foi executada em cada etapa. Para além do registro técnico, percebemos também que o fotógrafo teve um olhar sobre a obra. Por isso tudo, acreditamos que essa documentação vai ser um elemento importante para a educação patrimonial agora e no futuro”, explica Maria Raquel Ferreira, chefe do escritório técnico do Iphan em Ouro Preto.
A matriz, construída por volta de 1699, é um ponto de referência na arte barroca e na história de Ouro Preto e é onde o corpo do mestre Aleijadinho está enterrado. Ela foi fechada em 2013 para a restauração da arquitetura e, em 2019, começou a recuperação dos elementos artísticos.
“Me chamou atenção a magnitude da obra. 70 pessoas trabalharam na restauração e durante o processo de fotografia eu cheguei a ver profissionais em todos os quatro andares de andaimes na nave central, corredores e sacristia”, diz Mateus Lustosa, fotógrafo.
A restauração dos elementos artísticos durou quase quatro anos e, a cada avanço no trabalho, Mateus era chamado para fotografar. Ele conseguiu registrar o processo de remoção de tinta que levou à maior descoberta na restauração: as pinturas do forro da sacristia que estavam escondidas desde o século XIX.
Pinturas reveladas
O trabalho de restauração artística começou com a limpeza nos retábulos, a estrutura de madeira que fica nos altares, e o fim dessa etapa provocou um grande impacto. Na segunda fase, os restauradores fizeram a remoção das camadas de tinta que, ao longo de décadas, cobriram algumas pinturas. O forro da sacristia foi a maior revelação da restauração: embaixo de várias camadas, estavam pinturas ocultas há mais de 120 anos.
Registrar cada detalhe desse processo de remoção vai ter um efeito didático para as restaurações futuras, segundo a arquiteta consultora Deise Lustosa: “Nós avançamos muito nas técnicas e no material para remoção de pinturas antigas e verificamos quais escolhas são melhores para retirar determinadas pinturas. Poder registrar com qualidade cada etapa vai nos ajudar nas próximas restaurações”.
Pelas fotos, é possível ver a transformação da igreja. Por isso, a museóloga Célia Corsino espera que essa documentação chegue ao público:
“Não foi uma restauração simples. A Matriz demandou um trabalho complexo e tivemos a sorte de conseguir uma documentação profissional sobre todas as etapas e metodologia do trabalho. O fotógrafo teve o olhar para o processo técnico e também para a arte que estava ali. Espero que a gente possa usar esse registro de várias formas porque é muito importante que as pessoas vejam a mudança que aconteceu naquela igreja depois de 4 anos de restauração”.
Outra fase importante na restauração foi a reintegração da pintura onde havia falhas. Neste momento, a igreja ficou mais parecida com o trabalho original feito há mais de 300 anos. “Quando o douramento voltou, as cores originais apareceram e deu para ver dramaticidade do barroco, da forma original como os artistas da época pensaram. Por isso, em algumas fotos, eu quis trazer a iluminação da época, à luz de velas, muito mais delicada”, diz o fotógrafo Mateus Lustosa.
“O deslumbre maior foi o momento em que a matriz começou a mudar de cor e ganhar harmonia. A igreja sofreu muitas mudanças ao longo do tempo, muita coisa, escondida e fragmentada. O que aconteceu é que, quando os andaimes foram saindo, as cores restauradas foram aparecendo e foi muito impactante a vida que a matriz ganhou”, completa.
A retirada dos andaimes foi a última etapa dos trabalhos e a revelação do encontro entre os artistas do passado e os que, agora, realizaram a restauração.
“O que achei mais interessante é que o fotografo teve o cuidado de mostrar o processo e não apenas o antes e depois. Ele mostra com detalhes as fases e buscou com a luz compreender o processo de restauração de cada etapa. Antes, a gente não via a Igreja e é interessante que as fotos vão mostrando a Igreja se abrindo, sendo redescoberta ou, como o próprio fotógrafo denominou: é um descortinar”, conta Ana Carolina Neves Miranda, conservadora restauradora do IPHAN e responsável pela fiscalização da obra.
Ao longo de quatro anos de restauração artística, Mateus produziu cerca de 6 mil fotos, registrando cada etapa. Um dos mais longos trabalhos de documentação profissional de restauração já produzidos. Parte dos registros está na exposição “Descortinar” que fica dentro da Matriz.
Fotos das etapas da restauração
Fotos de antes e depois da restauração