O combate aos incêndios criminosos no lar dos maiores primatas das Américas

Na Serra do Brigadeiro, vivem os Muriquis do Norte, espécie ameaçada de extinção
Muriqui do Norte no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Registro da armadilha fotográfica - Montanhas de Muriqui / MIB

 

Quem encontra um grupo de Muriquis do Norte transitando livremente na mata diz que não esquece a experiência.

“Uma das maiores emoções que eu tive aqui quando comecei a trabalhar no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, em 2005,  foi ter visto o Muriqui do Norte pela primeira vez. Eu não acreditei naquilo”, contou o diretor do parque, Chico da Mata.”

Em parte, o motivo é o tamanho. Eles são os maiores primatas das Américas: podem chegar a 1,40 metro de altura. Mas o fato de andarem em grupos, sempre no alto das árvores, bamboleando nos galhos, emociona até quem já se acostumou com a presença deles, como o biólogo Leandro Moreira, que dirige um dos projetos de monitoramento dos grupos da Serra do Brigadeiro.

“É muito diferente. Além dos membros extensos, eles usam a calda para se deslocar pela mata e, quando eles querem, conseguem imprimir uma velocidade muito grande nesse deslocamento. A sensação é que a mata está tremendo”, disse Leandro.

Muriqui do Norte no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Registro da armadilha fotográfica do projeto Montanhas de Muriquis / MIB

Talvez por isso, encontrar grupos de Muriquis do Norte não seja tão fácil. Eles se deslocam rapidamente, em áreas de floresta densa e, no caso da Serra do Brigadeiro, numa faixa extensa de Mata Atlântica, com 15 mil hectares, na Zona da Mata de Minas Gerais.

Outro motivo, é o fato de estarem criticamente ameaçados de extinção: estima-se que existam cerca de mil indivíduos no Brasil apenas, sendo que os maiores grupos estão no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e no Parque Nacional do Caparaó, divisa de Minas com o Espírito Santo, cada um desses parques com cerca de 300 muriquis.

A tecnologia é o que vem ajudando na missão de conservar os maiores primatas das Américas, nos projetos desenvolvidos pelo MIB – Muriqui Instituto de Biodiversidade. Com a instalação de câmeras trap, as armadilhas fotográficas, o biólogo Leandro Moreira consegue capturar cenas do cotidiano desses grupos, sem a interferência humana. Com as imagens, também é possível identificar cada um dos indivíduos.

“Eles têm as características de manchas faciais e isso permite identificar um por um. Ainda não conseguimos identificar todos os indivíduos e essa informação vai ser usada em ações de manejos”, explica Leandro.

A experiência de Leandro como escalador profissional ajuda nesse trabalho, já que os Muriquis não usam o chão da floresta.

Nos últimos anos, o uso do drone com sensor térmico deu mais precisão à missão de monitorar os muriquis. Fabiano Melo, professor da Universidade Federal de Viçosa, explica que o sensor de calor faz com que os animais se destaquem na imagem, facilitando a visualização.

“Eu consigo com o drone contar número de indivíduos, se é macho ou fêmea, se é jovem ou infante. Eu consigo ver se ele está se alimentando de alguma fonte, se é folha ou é fruto. Eu consigo capturar uma quantidade absurda de informação que eu não teria condições de fazer isso se eu tivesse embaixo deles na mata”, disse Fabiano.”

Nós estivemos na Serra do Brigadeiro para conhecer todo esse trabalho em julho e pouco mais de um mês depois, os incêndios criminosos, que já se espalhavam pelo Brasil, começaram na região.

Em 17 de agosto, os primeiros focos estavam fora do parque. Havia um na área norte e outro na região sul. Dias depois, o fogo se alastrou e entrou na unidade de conservação.

Incêndio no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Setembro/2024
Reprodução de imagem Montanhas de Muriquis/MIB

O biólogo Leandro Moreira trabalhou no combate junto com voluntários, brigadistas do IEF (Instituto Estadual de Florestas) e bombeiros. Ele forneceu informações sobre a importância dos Muriquis do Norte, os hábitos e os locais de matas mais importantes para eles. A mata do Ararica, na Serra do Brigadeiro, é um dos lugares onde um grupo específico de Muriquis costuma transitar. Quando o fogo alcançou essa mata, a força tarefa criada para a operação direcionou os esforços para lá.

Registro incêndio mata do Ararica, Parque Estadual Serra do Brigadeiro. Setembro/2024

Por mais de 30 dias, a força tarefa combateu as chamas e fez aceiros. Duas bases de operação foram montadas dentro do parque. A maior dificuldade foi a topografia da Serra, com picos acima de 1.500 m de altitude. Segundo o IEF, quase 2 mil hectares de mata foram queimados. A polícia ambiental da região fez 26 autuações, principalmente pelo uso do fogo e desmatamento ilegal.

Em 17 de setembro, o dia amanheceu com chuva fina e ela durou o dia todo em parte da Serra do Brigadeiro. Os últimos focos de incêndio finalmente foram controlados e a força tarefa foi desmobilizada.

A pergunta que todos nós nos fazemos é se os Muriquis do Norte estão bem.  Não há notícias de indivíduos atingidos, provavelmente, pela capacidade de se deslocarem de forma rápida nos 15 mil hectares de mata. Agora, começa uma nova fase do trabalho dos pesquisadores: revistar as câmeras, fazer expedições de campo e continuar o monitoramento dos grupos.

Veja aqui algumas imagens.

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