O olhar indígena de Edgar Kanaykõ

A fotografia como resistência em Minas Gerais
"A chama de nossa luta" - imagem do povo Xakriabá - Foto: Edgar Kanaykõ

O olhar indígena que atravessa a lente* para recontar as histórias do povo Xakriabá, no norte de Minas Gerais, é de Edgar Kanaykõ. Fotógrafo e mestre em Antropologia pela UFMG, ele pegou numa câmera pela primeira vez aos 17 anos, quando a energia chegou às aldeias, no ano 2000.

 
Edgar em ação – Foto: Mila Petrillo

Com a luz, vieram também as interações mais frequentes com “os de fora”, os projetos culturais e os equipamentos audiovisuais.

 
“Eu só tinha visto uma câmera nas mãos das pessoas que iam até minha aldeia fotografar. Comecei fazendo os registros da comunidade, das festas, casamentos e alguns rituais. Alguns viam com desconfiança, outros com muita curiosidade”, conta Edgar.
 
Jovens Xakriabá – Foto: Edgar Kanaykõ

Em alguns rituais sagrados, por exemplo, há momentos que não podem ser registrados. Para os Xakriabá, há uma profunda conexão entre alma e imagem: vem daí o entendimento de que fotografar, em alguns rituais, significaria capturar o espírito. “Vamos aprendendo ao longo do tempo com os pajés sobre o que pode ou não ser fotografado”, conta Edgar. O ritual do Toré, por exemplo, é secreto, mas foi criada uma versão que pode ser mostrada e difundida, sem desrespeitar a própria cultura.

 
“Esses cantos e danças são comumente chamados pelos Xakriabá de apresentação, já que isso surge dessa necessidade de se mostrar para si e para o outro uma resistência cultural e política. Essa apresentação é também chamada de Toré, embora os mais velhos deixem claro que não se trata do mesmo Toré praticado no território Xakriabá”. (Trecho da dissertação de Edgar Kanaykõ – O olhar indígena que atravessa a lente.)
 

A resistência cultural e política tem lastro na história de violência contra os povos indígenas e não é diferente com o povo Xakriabá. O território indígena atual, com 30 aldeias às margens do rio Itacarambi, é bem menor do que o original.

 
“A terra indígena demarcada não corresponde a nem um terço do território do passado. Ele pegava desde o vale do Peruaçu, na margem esquerda do São Francisco e o Itacarambi. O rio São Francisco ficou fora da demarcação. É preciso haver uma revisão desses limites e retomada desse território”, diz Edgar.
 
Os Xakriabá ainda lutam pela demarcação das próprias terras – Foto: Edgar Kanaykõ

Hoje ele se aprofunda no método da antropologia visual, especialmente a etnofotografia, como um modo de contar as próprias histórias. Tudo para que a sociedade veja a importância dos povos indígenas para o mundo. Não como passado. “Somos o presente e futuro do planeta”.

 
“Enquanto alguns indígenas estão empunhando seus arcos, flechas, bordunas, faixas e maracás, outros estão empunhando seus equipamentos de audiovisual, suas armas de luta. (…) Outra parte desses registros é postada na internet e nas redes sociais, e é difundida por um grande número de indígenas. Torna-se uma imagem em movimento” (Trecho da dissertação de Edgar Kanaykõ – O olhar indígena que atravessa a lente).
 
Jovens Xakriabá se banham nas águas do São Francisco – Foto: Edgar Kanaykõ
O foto-livro de Edgar Kanaykõ
 

Em breve será lançado um foto-livro que reúne a fotografia e a pesquisa antropológica de Edgar, para refletir sobre a imagem a partir de um conceito Xakriabá: Hêmmba. A palavra é usada para se referir à alma e é a mesma para se referir à imagem. “Alma, espírito, imagem se traduzem em fotografia e com ela quero possibilitar que o outro veja quem somos”, diz Edgar.

 
“A fotografia fala. Se preciso, também grita. A fotografia se cala, conduz e anuncia, revela e relata. Se necessário, denuncia. Por muito tempo vivemos o ponto forte da oralidade. Hoje, ela se fortalece com a escrita e se embeleza com a imagem.”
 
Jovem Xakriabá – Foto: Edgar Kanaykõ

* “O olhar indígena que atravessa a lente” é a dissertação de Edgar Kanaykõ defendida no curso de mestrado em Antropologia da UFMG.

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