O ponto de não retorno da Amazônia

O que é? Dá para evitar? O Projeto Preserva conversou com uma das autoras de estudo que alertou sobre o risco de colapso
Sobrevoo flagra garimpo no rio Madeira (Amazonas) e desmate - Foto: Bruno Kelly - Amazônia Real - 07/08/2020

 

A notícia de que partes da Amazônia podem atingir o ponto de não retorno até 2050 se espalhou na última semana, depois que o estudo liderado por cientistas brasileiros foi publicado na revista científica britânica Nature.

Os pesquisadores cruzaram dados e encontraram pontos em que a floresta pode perder a capacidade de se autorregenerar. Esses locais estão atingindo três limiares: o desmatamento contínuo, a falta de água e a mudança de clima.

Mas, afinal, o que é o ponto de não retorno e quais os efeitos dele? Há tempo de evitar o colapso da Amazônia? O Projeto Preserva conversou com uma das autoras do estudo, a pesquisadora Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Marina Hirota, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina

(Projeto Preserva) Quais são as características do ponto de não retorno e como é possível percebê-lo?

(Marina Hirota) O não retorno é quando a floresta perde a capacidade de se regenerar e a degradação se retroalimenta, acelerando a perda da floresta. Isso não ocorre rapidamente, mas, quando temos um processo contínuo de desmatamento, falta de chuva e acontecem eventos climáticos, aí a floresta dá sinais mais evidentes de problemas, como a perda de espécies que não morriam antes ou entrada de espécies invasoras. O cupim, por exemplo, não entra na parte mais central das árvores, mas quando as defesas baixam, eles podem invadir. Há mudanças na composição da floresta e nas funções dela, como a alocação de carbono.

O aumento da temperatura em determinados locais da Amazônia é um indicador de que a floresta está perdendo a capacidade de ser um sumidouro de carbono. No sudeste da Amazônia, a gente já tem uma temperatura do ar aumentando.

“A estação seca está ficando mais prolongada e mais seca e as taxas de desmatamento são muito altas. Então tudo isso indica que estamos tendo agora, antes do ponto de não retorno, uma mudança muito grande.“

(PP) Como os pontos de não retorno afetam o entorno da floresta e os outros biomas?

(MH) Essas mudanças ocorrem em diferentes locais da Amazônia e em momentos diferentes, a depender das perturbações e dos tipos de floresta. Não necessariamente todos os tipos de florestas ali são iguais, já que estamos falando de uma região muito grande, mas o que acontece em um lugar da Amazônia afeta o outro, como um efeito dominó. Isso acontece porque o lado leste da floresta, por exemplo, fornece umidade para o lado oeste, pelos ventos. Então existe uma conectividade. Quando esse fluxo de umidade é alterado, ele provoca mudanças em outras regiões.

Capa da revista Nature, edição de 15 de fevereiro de 2024 – Foto: Reprodução

E, claro, se você pensar no leste da Amazônia, por exemplo, tudo o que acontece ali vai respingar no oeste do bioma, no Cerrado ou no oeste da Caatinga. Então, tudo está de uma certa forma conectado, porque rios, chuvas, fluxo de umidade não são divididos por fronteiras geográficas de biomas. Assim, não apenas a cobertura vegetal dos outros biomas será afetada, mas os centros urbanos também.

Existe uma continuidade de fluxo de matéria, de fluxo de energia entre esses biomas. Essas fronteiras geográficas não param não só no Brasil. Considerando todos os países da Amazônia e América do Sul e o resto do mundo, através da circulação geral da atmosfera, no final das contas, está tudo muito interligado.

“E respondendo sua pergunta de um jeito bem cru: sim, esse ponto de não retorno vai afetar tudo que tiver ao redor e vai afetar inclusive regiões mais remotas no mundo.“

(PP) Ainda é possível evitar os pontos de não retorno?

(MH) Ainda dá tempo de evitar que os problemas piorem, mas não podemos esperar mais para agir. Existem algumas regiões da Amazônia que estão com sinais bem intensos de mudança, mas outras que não.

Então, o Brasil precisa de fazer a lição de casa. Em primeiro lugar, reduzir o desmatamento em integração com os oito países que compõe a Amazônia. Em segundo lugar, restaurar porque ainda é possível fazer a restauração desses pontos e monitorar. Uma terceira questão é o debate climático mundial. Assim como o sistema climático não muda rapidamente, ele também não responde imediatamente a qualquer ação. Por isso é muito importante estar conectado com todas as iniciativas do planeta para as melhorias do clima, para que possamos negociar e ter metas consistentes daqui para frente.

Falando não apenas como cientista, mas como cidadã do Brasil, eu quero dizer que as mudanças já estão influenciando a vida de milhares de pessoas, quase milhões de pessoas. Então imagine que você está na sua casa, alguém bate na sua porta e fala: ‘sai, você não tem mais casa, você não tem transporte‘, porque o transporte na Amazônia é muito fluvial, e você perde tudo o que você tem. Isso é impensável nas cidades, mas já tem muita gente vivenciando isso há muito tempo na Amazônia: os povos originários, povos da floresta e ao redor das cidades.

Então eu acho que a gente precisa começar a refletir, enquanto indivíduos, nas nossas escolhas de consumo e nas nossas escolhas de quem a gente quer que governe e aplique governança diante de cenários que estão cada vez mais próximos.

Area de floresta derrubada e queimada e vista na zona rural do municipio de Apui, Amazonas. Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real.

Tudo o que acontece na Amazônia vai afetar a segurança hídrica e energética de todos. Queremos pagar para ver o que vai acontecer como todos individualmente? Precisamos de ânimo e clareza para agir e monitorar quais são essas ações.

Marina Hirota é graduada em Matemática Aplicada e Computacional pela Universidade Estadual de Campinas (1998-2001), mestre em Engenharia Elétrica pela mesma Universidade (2002-2004), e doutora em Meteorologia pelo CPTEC-INPE (2005-2010). Fez pós-doutorado na Universidade de Wageningen, Holanda, (2010-2012).

Veja o estudo aqui.

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