Chegamos a Pirapora no fim do dia, a tempo de gravar um pôr do sol no rio São Francisco e ver alguns pescadores jogando as últimas tarrafas na água.
É exatamente neste ponto, no noroeste de Minas Gerais, que o Velho Chico se torna navegável. Um lugar tão crucial para o comércio de mercadorias, que os vapores, embarcações movidas à lenha, circulavam dali até Juazeiro, na Bahia. A última testemunha dessa época é o Vapor Benjamim Guimarães, atracado à espera do fim da restauração.
Os reparos começaram em 2020 pela estrutura do convés, usando recursos do Ministério do Turismo. No projeto inicial, não constava a recuperação da caldeira, da chaminé e do casco. Assim, em 2022, o IEPHA elaborou o projeto de restauração. É preciso, agora, executá-lo. A Prefeitura de Pirapora abriu licitação para conclusão das obras. “O Vapor tem que voltar para devolver toda a vida em torno do rio.” lembra Adélio Brasil, diretor de Patrimônio da Prefeitura.
“Ser barranqueiro, carranca para defender o rio, junta-se a isso o pescar, a carranca que defende a embarcação. (…) Uma cultura que também vem dos vapores”.
A tripulação do vapor continua lá, acompanha as obras e conta as histórias da navegação com paixão. Valdomiro Souza, supervisor de máquina, nos mostra o funcionamento da caldeira. Fabrício Costa, piloto fluvial, explica os desafios de navegar em rios e lembra a sabedoria dos antigos pilotos que “navegavam sem instrumentos, observando a posição das árvores e com o conhecimento do rio”.
Da época das navegações, há outra testemunha: o pontilhão de ferro Marechal Hermes, que está entre as primeiras pontes metálicas construídas no Brasil.
A Marechal Hermes foi inaugurada em 1922, como prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil, que ligaria o Rio de Janeiro ao norte do país, embora esse projeto nunca tenha sido concluído. Hoje, a ponte com 13 pilares de concreto serve para travessia de pedestres e bicicleta, e também precisa de restauração.
A cultura da navegação adormece à espera dos cuidados com o patrimônio, com o rio e sua gente. Apesar disso, o trabalho dos pescadores permanece, a tripulação do Benjamim Guimarães não abandonou seu barco e os mestres e mestras das carrancas continuam o trabalho com o formão, esculpindo presas e olhos na madeira, como faziam seus antepassados.
Luzia Soares, Bonifácia dos Santos, Gelson Xavier e tantos outros dão vida a essa arte. Por isso as carrancas ainda são vendidas para todo o país, embora com o sentido oposto ao do passado. Antes, eram usadas nas embarcações para assustar os maus espíritos. Hoje, as carrancas levam a mensagem de uma cultura que precisa ser vista e cuidada, mas continua presente. Os saberes da navegação em Pirapora resistem no Velho Chico.
(A temporada Saberes Ancestrais tem o apoio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de MG e patrocínio da Cemig.)
Episódio 1: A Carranca e o Rio São Francisco
Ficha técnica:
Roteiro e Direção: Juliana Perdigão
Produção Executiva e Direção: Odilon Amaral
Montagem e Edição: Cadu Barros
Produção: Juliana Perdigão e Bianca Perdigão
Imagens: Herbert Cabral
Drone: Herbert Cabral e Odilon Amaral
Design: Estúdio Ventana, Bianca Perdigão, Mateus Lustosa
Arte e Videografismo: Lucas Pereira
Música Original: Renato Saldanha
Motoristas: Rodrigo Matarelli
Agradecimentos: Diretoria Patrimônio Histórico e Cultural de Pirapora, Tripulação do Valor Benjamim Guimarães, Delegacia Fluvial de Pirapora – Marinha do Brasil
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