Enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta a maior inundação de sua história, o debate sobre os Planos de Ação Climática das cidades brasileiras se tornou ainda mais urgente. É preciso saber como as cidades devem se preparar para os eventos climáticos extremos que estão mais frequentes e intensos nos últimos anos.
Para entender como os planos devem ser estruturados, conversamos com pesquisadores do ICLEI – uma rede global de mais de 2.500 governos locais e regionais, que trabalha o desenvolvimento urbano sustentável em mais de 130 países.
(Projeto Preserva) Quais pilares devem ser considerados nos planos de ação climática? Quais aspectos não podem ficar de fora?
(ICLEI) Um bom plano deve garantir os conteúdos técnicos necessários para se entender bem a situação do município e o que deve ser feito para que ele seja um município “baixo carbono” e resiliente (com risco reduzido) às mudanças climáticas, assim como elaborado com participação social, para que a sociedade incorpore as suas premissas e ações como uma nova rotina local. Por isso, os planos devem conter os seguintes conteúdos:
§ Mitigação e adaptação: Ajuda a reduzir as emissões de gases de efeito estufa (mitigação) e a aumentar a resiliência às mudanças climáticas (adaptação) em nível local. Isso é fundamental para proteger as comunidades locais dos impactos adversos das mudanças climáticas, como eventos climáticos extremos e aumento do nível do mar;
§ Proteção de recursos naturais: Contribui para a preservação dos recursos naturais locais, como florestas, corpos d’água e biodiversidade, que são essenciais para o equilíbrio ecológico e o bem-estar das comunidades;
§ Saúde pública: Um plano de ação climática pode incluir medidas para melhorar a qualidade do ar, promover a mobilidade sustentável e reduzir a exposição a poluentes, beneficiando a saúde e o bem-estar dos residentes;
§ Economia sustentável: Ao promover práticas sustentáveis, como energia limpa, eficiência energética e transporte público, os governos locais podem impulsionar a economia local, criar empregos verdes e reduzir os custos associados aos impactos das mudanças climáticas;
§ Alinhamento com compromissos internacionais: Muitos governos locais estão comprometidos com acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e um plano de ação climática é essencial para cumprir esses compromissos e contribuir para os objetivos globais de redução das emissões de carbono e limitação do aquecimento global;
§ Engajamento comunitário: A elaboração de um plano de ação climática envolve o engajamento da comunidade local, promovendo a conscientização sobre as mudanças climáticas e incentivando a participação ativa dos cidadãos na implementação de medidas de mitigação e adaptação.
(PP) Algumas cidades nunca fizeram avaliações climáticas ou diagnósticos que mostrem a atual realidade. Quais as etapas precisam ser seguidas para a construção de uma plano?
(ICLEI) Em termos de sua construção, o Plano Local de Ação Climática (PLAC) é um documento composto por quatro principais etapas concatenadas e complementares:
1) Criação e fortalecimento da governança climática local;
2) Análise de Emissões de Gases de Efeito estufa
3) Avaliação de Riscos e Vulnerabilidades Climáticas;
4) Construção colaborativa de ações e metas considerando o contexto socioambiental e climático local.
A Governança Climática é o passo inicial, e fundamental, para o desenvolvimento de todos os Planos desenvolvidos pelo ICLEI, composta por atores, arranjo institucional, atribuições e processos, refletindo a dinâmica do município.
A Análise de Emissões de Gases de Efeito Estufa informa sobre como o município se enquadra aos esforços de combater as mudanças climáticas em escala local. A partir dessa avaliação, a expectativa é que os municípios possam se planejar em prol da redução de emissões, diminuindo os perigos localmente e em conformidade com os acordos globais, construindo uma trajetória para a neutralidade de carbono até 2050.
A Análise de Risco e Vulnerabilidade Climática (ARVC) busca compreender as ameaças climáticas, como, por exemplo, as ondas de calor, aumento da precipitação, aumento do nível do mar, entre outros, e a exposição do território à ocorrência de eventos climáticos extremos em um cenário atual e futuro, identificando o risco de impacto.
O objetivo central é verificar os principais riscos e vulnerabilidades municipais aos efeitos da crise climática e consequências aos eventos climáticos extremos que o município possa estar exposto, considerando sua estrutura para lidar com os impactos e também a caracterização sociodemográfica (quais populações estão em maior risco). Essa análise da vulnerabilidade climática é fundamental e estratégica na construção do plano por dois motivos principais.
Primeiro, porque sua metodologia inclui a participação ativa da governança climática local que, como conhecedores do território, contribuem na validação e aprofundamento do entendimento das vulnerabilidades locais. A governança local pode indicar, por exemplo, os impactos causados por desastres climáticos passados que nem sempre podem ser analisados pelas modelagens e avaliações territoriais mais gerais. Também podem contribuir na identificação de um conjunto de exposições que revelam maiores graus de vulnerabilidades.
O segundo motivo é a capacidade de sensibilizar os gestores municipais para as questões relativas à mudança do clima e à vulnerabilidade climática. Dessa forma, entender profundamente a caracterização de riscos e vulnerabilidades climáticas é fundamental para construir pensar em planos que, em conjunto com as análises de emissões, podem guiar ações municipais para a redução de riscos, contribuindo para o enfrentamento da mudança climática em nível local.
(PP) Os planos de ação, como o de Belo Horizonte, já consideram os prognósticos futuros dos eventos climáticos?
(ICLEI) O Plano Local de Ação Climática de Belo Horizonte foi construído com muitas mãos, em um intenso trabalho da governança climática local que contou com mais de 400 contribuições às ações durante o seu desenvolvimento.
A partir do trabalho colaborativo com o município, foram priorizadas 16 ações, distribuídas em 3 eixos estratégicos: Mais Vozes, Menos Desigualdades; Mais Vida, Menos Vulnerabilidade; e Mais Verde, Menos Emissões.
Também foi pelo processo participativo que foram escolhidos os critérios de priorização das ações com base nos cinco caminhos do ICLEI: desenvolvimento de baixo carbono; desenvolvimento baseado na natureza; desenvolvimento equitativo e centrado nas pessoas; desenvolvimento resiliente; e desenvolvimento circular.
É importante ressaltar que o plano considerou também a priorização de ações e sua distribuição em metas temporais:
Curto prazo – 2024: alinhado ao fim da gestão atual, dirimindo entraves comuns devido ao período de troca de gestão;
Médio prazo – 2030: alinhado à Nova Agenda Urbana e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU;
Longo prazo – 2050: alinhamento ao Acordo de Paris, considerado o mais importante acordo internacional e multilateral da atualidade.
No Plano de Ação Climática de Belo Horizonte, definimos as seguintes metas:
Curto prazo:
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Elaborar e implementar um Plano Contínuo de Comunicação Social e Educação Ambiental sobre Mudança Climática, reforçando os espaços de comunicação já existentes.
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Elaborar o Plano de Comunicação Social e Educação Ambiental Contínuos sobre Mudança do Clima até o final de 2023;
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Realizar, anualmente, ao menos 2 cursos de capacitação em desenvolvimento circular e resiliência para o setor privado até 2025;
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Lançar 3 editais para área cultural em associação à pauta climática até 2025; realizar a 1ª Virada Climática até 2023;
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Revisar o Plano Municipal de Educação até 2025.
Médio prazo:
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Estruturar um Plano de Governança Climática.
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Adicionar uma seção específica sobre mudança climática em todos os planos e projetos municipais revisados até 2030, a fim de demonstrar a transversalidade da pauta;
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Capacitar, no mínimo, 2 técnicos de todas as secretarias e autarquias municipais em mudança do clima até 2024;
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Realizar oficinas de integração entre as secretarias ao menos 2 vezes ao ano até 2030;
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Realizar a 1ª Conferência Municipal do Clima em 2024.
Longo prazo:
Fortalecer o sistema de prevenção de risco e desastre considerando o enfoque nos eventos climáticos extremos.
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Implementar a governança de redução de risco, com a criação do comitê e grupo de trabalho até 2023;
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Reforçar o plano preventivo de defesa civil para Enfrentamento de Desastres no município de Belo Horizonte até 2023;
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Atualizar a Análise de Riscos e Vulnerabilidade Climática e o Plano Local de Habitação de Interesse Social até 2024;
Priorizar obras de infraestrutura para redução de riscos em áreas de alta vulnerabilidade até 2030;
Elaborar e implementar uma Política Municipal de Segurança Hídrica:
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Desenvolver o estudo de pegada hídrica municipal até 2024;
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Recuperar e proteger, no mínimo, 18 nascentes até 2025 e 36 nascentes até 2030;
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Atender a todas as demandas para a manutenção do título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Lagoa da Pampulha até 2030;
Fortalecer o sistema de prevenção de risco e desastre considerando o enfoque nos eventos climáticos extremos.
a) Os eventos com maiores impactos, geralmente, estão nas áreas de maior vulnerabilidade social da cidade, com menor acesso à infraestrutura adaptada aos eventos extremos;
b) O Plano preventivo de Defesa Civil e ou Plano de Contingência para Enfrentamento de Desastres no município de Belo Horizonte (2021-2022) define ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação;
c) A Política Municipal de Habitação atua em três principais eixos: Assistência e Assessoria Técnica, Intervenção em Assentamentos de Interesse Social e Provisão Habitacional;
d) O Plano Diretor de Belo Horizonte, Lei 11.181/2019, aponta diretrizes para erradicar a ocupação irregular de áreas com fragilidade ambiental por meio da definição de zoneamentos específicos, identificação áreas sujeitas a inundação e demais risco, além de benefícios, por instrumentos urbanísticos voltados à Produção Habitacional;
e) Promover o controle urbano de ocupação de áreas de proteção ambiental, reduzindo o alto potencial de evolução e de criação de novas áreas de risco;
f) Realizar campanhas de sensibilização em todos os processos de remoção e reassentamento realizados.
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