Quem perde com o desmatamento do Cerrado?

Destruição segue alta no berço das águas do Brasil | Coluna Jornal Diário do Comércio

Por Juliana Perdigão

Cerrado no Norte de Minas Gerais. Foto: Projeto Preserva

Em recente viagem pela serra do Espinhaço ouvimos de uma moradora da região de Diamantina que, no passado, o Cerrado “sempre proveu tudo o que a gente precisava, veredas com água e peixes, frutos, fartura. Não tinha balaio que desse conta de carregar, precisava da ajuda dos vizinhos.”

Pode ser mesmo difícil olhar para a vegetação rupestre que domina parte dessa paisagem e associar tudo isso à fartura de alimentos e à água. O que não enxergamos é a floresta invertida que existe ali, uma esponja natural com um emaranhado de raízes, onda a água consegue se infiltrar e abastecer os mananciais.

Não é por acaso que, das 12 regiões hidrográficas do Brasil, oito têm nascentes no Cerrado. O bioma tem papel central na segurança hídrica de todo o país, como lembra o pesquisador do IPAM, Joaquim Pereira.

Apesar disso, o segundo maior bioma do país é um desconhecido para muitos brasileiros. Uma pesquisa da ONG Sou Cerrado ouviu 2 mil pessoas e constatou que sete em cada 10 entrevistados não sabem que o bioma é fonte nacional de água. Enquanto isso, os alertas de desmatamento seguem em alta, as veredas secam por causa da monocultura e não nos damos conta do tamanho dessa ameaça.

O Cerrado está presente em 13 estados brasileiros e já perdeu mais da metade da vegetação nativa em todo país. Em Minas Gerais, ocupa mais da metade do território. A lei não ajuda na proteção: ao contrário da Amazônia, produtores rurais do Cerrado podem desmatar 80% de suas propriedades e são obrigados a preservar apenas 20% da mata.

Atividade que destrói o Cerrado depende da sua biodiversidade

Com o incentivo da lei, não é de espantar que o desmatamento tenha caído na Amazônia e migrado para o Cerrado. Neste primeiro semestre de 2024, até houve a primeira queda de 15% no desmatamento, segundo os dados do Inpe, mas, na análise anual, a destruição aumentou.

No ano passado, o Cerrado perdeu 1,11 milhão de hectares de vegetação nativa, 68% a mais que em 2022, de acordo com o MapBiomas.

Quem perde com essa destruição? Todos nós e o próprio agronegócio, que é o principal vetor de desmatamento no bioma. A monocultura e a pecuária são as principais ameaças ao Cerrado mas, ao mesmo tempo, dependem da biodiversidade.

Um estudo publicado na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) mostrou que as variações no clima regional vão comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060. Esse trabalho mobilizou 100 pesquisadores ao longo de três anos.

E, para quem ainda acredita que a monocultura é a única forma de garantir alimento para todos, a pesquisa revela que a agricultura familiar e dos povos tradicionais respondem por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa.

Os pesquisadores investigaram os caminhos para uma agropecuária mais sustentável e apontaram soluções já implementadas no Brasil que garantem a produtividade da terra mantendo a biodiversidade. É a ciência que diz: nada justifica derrubar mais mata nativa e correr o risco de perder o berço das águas de um país.

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