Fomos a Penedo (AL) para a estreia do nosso filme, “Saberes do Velho Chico” na Mostra de Cinema Ambiental do Circuito Penedo de Cinema. Olhando essas águas que, como nós, nasceram em Minas, vêm, refletidas na memória, as imagens que inundaram minha infância e o todo o delicioso trabalho de fazer o curta selecionado para o festival.
O rio da “integração nacional”, das viagens de barco a vapor entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), corre caudalosamente na memória de quem já passou por suas águas. Hoje, ele é uma tênue e assoreada lembrança perto de seus grandes dias e noites.
Noites, sim, porque era quando eu, menino, ia para o barco com meus tios Zizinho e Jeovah, irmãos de meu pai, e tio Nego, irmão de minha mãe. Gostava de deixar a vara no secretário, um cano pregado na parede interna do barco. Assim podia passar horas olhando para o céu coalhado de estrelas e mistérios, que tentava desvendar com minha carta celeste.
Ficava encantado com aquela mancha enorme da Via Láctea nas noites de Lua Nova, ou seja, sem Lua, e com a quantidade de meteoros e satélites riscando a escuridão.
O som era apenas das marolas do São Francisco e de um ou outro dourado pulando à distância. “Se deu peixe, muito bem. Se não deu, ‘inda melhor”, cantava tio Nego, o cantor e compositor Celso Garcia, que ompletaria 100 anos em novembro. A gente não ia pescar peixe. Ia buscar sossego e correspondência do amor que sentia pelo rio. E encontrava.
Décadas depois, revi esses mesmos sentimentos e muita nostalgia nos personagens de “Saberes do Velho Chico”. Ao perguntarmos a um pescador, o seu Moranga, se o rio era quase sua segunda casa, ele foi enfático:
“O São Francisco é quase segunda casa, não! O São Francisco é a minha primeira casa!”
Mas doía no seu Moranga ver o rio assoreado, sem navegação. Os vaporzeiros do “Benjamim Guimarães”, um dos últimos barcos a vapor do mundo, também lamentaram o estado do rio e do barco, fora da água, aguardando o fim da restauração. Eles são formados pela Marinha do
Brasil, mas, fundamentalmente, forjados no amor pelas águas do Velho Chico, que corre por gerações no sangue dos vaporzeiros.
“Isso já veio de meus avós e do meu pai. Agora, só tem eu aqui, mesmo, que viajou na época, da minha família. Já estou com 67 anos. Então tem que ensinar outras molecadas mais novas. Como eu aprendi de meu pai, meu pai aprendeu de meu avô. Senão acaba a tradição do Benjamin Guimarães. E isso não pode!” diz, no filme, o seu Valdomiro, vaporzeiro.
Mas o que define bem mesmo como o São Francisco fisga o coração e a alma de pescadores, barranqueiros e viajantes é o que o seu Moranga disse, quando a gente quis saber o que o rio significava pra ele:
“O São Francisco é pai, é mãe, é filho, é tudo. Porque o São Francisco criou muita gente. Matou a fome de muita gente. E vai criar muita gente ainda. Tenho essa esperança de que nós vamos ver água em fartura, igual a uns 30, 40 anos atrás”.
Como nos tempos dourados, matrinxãs, corvinas, piaus, mandis, surubins e moleques do Velho Chico.