Uma das moradoras, a aposentada Nininha Sales, abriu as portas da casa que acabou de ser restaurada. Esse tipo de estrutura ficou conhecida como “Bom Será”:
“No passado, os moradores tinham o costume de dizer: já que vamos morar juntos, bom será que a gente não brigue”, explica Nininha.
Ela ainda nem teve tempo de colocar todos os móveis no lugar. Durante sete meses, dona Nininha ficou na casa de parentes, até que todo o trabalho fosse concluído. Foi feita uma reestruturação completa de paredes e telhados, que só foi possível com o projeto desenvolvido pelo Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto, via Lei de Incentivo à Cultura.
Três casas da rua foram escolhidas na primeira fase do projeto Bom Será, mas as obras só começaram depois de uma oficina para ensinar as técnicas antigas aos profissionais da construção civil. Eles aprenderam carpintaria, construção com pau a pique, adobe e sistemas elétricos para casas históricas. Os moradores também participaram das oficinas, do levantamento das memórias. “Houve uma troca, um aprendizado mútuo entre os profissionais e os moradores, já que as pessoas são parte do patrimônio.”, conta Bel Gurgel, diretora artística do Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto.
Restauração disruptiva: as mulheres nos canteiros de obras
O projeto Bom Será formou 132 profissionais. 80% das pessoas que trabalharam nos canteiros eram mulheres. Elas se qualificaram para restaurar as próprias casas e, se quiserem, podem usar essa formação para entrarem no mercado.
Os moradores e a conservação das casas centenárias
Um desafio prático se impõe nas cidades histórias de todo o país: as casas tombadas com 200 ou 300 anos de existência precisam de restauro. As alterações devem seguir as normas definidas pelos órgãos de defesa do patrimônio, mas nem sempre os proprietários conseguem arcar com os valores, que podem chegar à casa dos milhões.
Para os moradores de baixa renda, por exemplo, a restauração das casas acaba sendo adiada por anos ou é feita em partes. Dona Nininha contou que a última reforma na casa dela foi feita pelo pai, há 60 anos.
“De lá pra cá, eu consegui juntar dinheiro para reformar parte do telhado, seguindo as regras do patrimônio, mas é muito caro. Eu via que a fachada da casa estava entortando, mas não conseguia o dinheiro para restaurar.”, diz dona Nininha.
A casa dela foi completamente restaurada, inclusive a estrutura interna da fachada. “Muitas partes das paredes de adobe tiveram que ser refeitas”.
“Se minha casa caísse, levaria as casas vizinhas, porque as paredes são coladas. Eles produziram o adobe, fizeram paredes de pau a pique também. Agora não cai mais e ficou linda!”, conta dona Nininha.